Açúcar: Os Números que nos deviam envergonhar

Nos últimos anos, a evidência científica tornou bastante claro o risco do consumo excessivo de açúcar na nossa saúde. E desnecessário. Na medida em que muito do açúcar adicionado aos alimentos tem como objetivo único a conquista de mais consumidores e mais lucro. Mas, ao mesmo tempo, esvaziando a nossa alimentação de nutrientes essenciais. Ao ponto de hoje consideramos o açúcar como uma “caloria vazia”. Ou seja, energia que nos pode fazer aumentar de peso e desregular uma série de funções metabólicas essenciais, sem acrescentar qualquer valor nutricional à nossa alimentação.

Atualmente, o consumo excessivo de açúcar está associado à prevalência de esteatose hepática, dislipidemia, insulinorresistência, hiperuricemia, doença cardiovascular e diabetes mellitus tipo 2. Está também associado ao excesso de peso/obesidade e ao aumento da incidência de cárie dentária. Doenças que afetam milhões de portugueses e condicionam a sua vida e das suas famílias.

Toda esta evidência de base científica deveria ser suficiente para a redução drástica do consumo de açúcares livres, ou seja, de açúcar adicionado aos alimentos e bebidas (em casa ou pela indústria alimentar) e dos açúcares naturalmente presentes no mel, xaropes, sumos de fruta e concentrados de sumo de fruta.

Mas, aparentemente, não. Apesar de sabermos o mal que o açúcar nos faz. Apesar de sabermos que o seu consumo deveria ser residual no nosso dia-a-dia. Apesar de conseguirmos identificar as fontes de açúcar na nossa alimentação através da leitura dos rótulos colocados nos alimentos embalados. Apesar disso tudo, continuamos a treinar os nossos filhos e o seu paladar para o açúcar. Por exemplo, ao permitirmos que semanalmente se realizam nas escolas festas de aniversário com uma oferta de açúcar muito acima do saudável. A permitir as máquinas de venda automática, carregadas de açúcar barato, em locais onde circulam diariamente crianças. A facilitar o açúcar como recompensa de bons comportamentos. A sugerir um snack açucarado para se levar numa viagem ou numa pausa a meio da manhã. E a tolerar a ausência de opções saudáveis e baratas, sem açúcar, em locais públicos, desde os nossos comboios, a cinemas, universidades ou hospitais.

E continuamos com estatísticas que nos deviam envergonhar. Por exemplo, as que nos dão conta que nas 8647 crianças do norte de Portugal que são seguidas desde o seu nascimento, aos 4 anos de idade, mais de metade (52%) já consumia refrigerantes e néctares diariamente e, 20% destas crianças, consumiam diariamente refrigerantes à base de chá, sendo este o tipo de refrigerante mais consumido. E que os adultos portugueses consomem quase o dobro dos 50g diários, máximo admitido pela Organização Mundial de Saúde.

Desmontar esta forma de encarar passivamente o açúcar, um alimento cujo consumo excessivo é perigoso, dá muito trabalho. E encontra muitas barreiras. Porque, do outro lado, existe toda uma estrutura comercial que vive do seu consumo regular e excessivo. Mas também porque vai contra toda uma cultura que se edificou na companhia deste produto. Um produto raro e pouco acessível até ao princípio do século XX. Mas que se massificou nestes últimos 100 anos. Por ser relativamente barato, é hoje incorporado numa grande parte dos alimentos processados que consumimos. Desde sumos de fruta a alguns tipos de pão embalado.

O açúcar, como aditivo facilmente disponível e barato, aumenta o tempo de conservação dos alimentos, permite retirar água ao alimento durante o processamento tornando-o mais leve e transportável, é um potente estimulante das nossas papilas gustativas e muito atrativo para o nosso cérebro, que na sua presença obtém uma sensação de recompensa, através da libertação de neurotransmissores como a dopamina.

Numa altura em que pretendemos viver com qualidade de vida até o mais tarde possível, preservando órgãos e funções metabólicas que são alteradas pelo consumo excessivo e diário de açúcar, é necessária uma reflexão aprofundada sobre o nosso relacionamento com este produto. Que vai desde a relação dos avós com os netos até à forma como festejamos. Tudo isto pode acontecer sem açúcar e sem perdermos a alegria e a liberdade de nos expressarmos através dos alimentos e do que a alimentação nos proporciona.